Minha vida

Nasci em São Paulo, capital, megalópole estranha, cheia de contrastes como os que encantaram Caetano. Pai advogado, mãe jornalista, ambos ouvintes de música boa, amantes de poesia e boa literatura. Um dia encontrei, aos doze anos, entre os vinis da casa, na Rua Maria Carolina, um disco inesquecível que, junto a outros dois, mudariam para sempre os rumos da minha vida.

No primeiro, “A Bach Recital”, do icônico Andrés Segovia, ouvi pela primeira vez a Chacona da Partita em Ré menor para violino, de Bach. Imediatamente, pensei: “se no violão toca-se isso, nele se toca qualquer coisa…!”

A paixão pelas cordas dedilhadas começava aí.

Os outros dois álbuns foram a coletânea  Love Songs, dos Beatles e o inesquecível Concert in Central Park, da dupla nova iorquina Simon & Garfunkel. Destes aprendi a amar a engenhosidade e criatividade insuperáveis do primeiro e, do segundo, o apelo do folk-lirismo urbano que, anos depois, eu associaria de forma indissolúvel à melancolia da música elisabetana.

Quando chegou a hora famigerada (tão cedo, hoje penso) de escolher uma faculdade, optei por latim noturno, na Usp. O estudo da música e do violão já me ocupavam demais, eu pensava, para perder mais tempo com qualquer outra escolha mais ortodoxa. Obviamente, não durou.

Saí da Letras, mas, ainda na USP, minha casa na Academia, graduei-me bacharel em violão, mestre e doutor em musicologia histórica. Lá tive inúmeras experiências fundamentais para minha vida futura na música, e conheci meu querido amigo, professor e maestro Edelton Gloeden.

Viajei à Holanda onde, por dois anos, coloquei-me em contato direto com o universo da música antiga, dos instrumentos de cordas dedilhadas de outros tempos. Começava uma nova etapa, onde o violão não parecia mais, sozinho, dar conta da minha busca sonora e estética. Vieram os alaúdes, a teorba, as guitarras barroca e renascentista, a guitarra romântica, o alaúde barroco e a viola de arame.

O tempo passou, meu compadre, amigo do coração e maestro Ricardo Kanji voltou também ao Brasil, e pude viajar nosso país e o mundo com ele, tocando e aprendendo sempre. Voltou o Luis Otavio Santos, maestro soberano do violino barroco e estudioso dedicado das forças ocultas que regem nosso universo, com quem pude seguir aprendendo e tocando a seu lado.

Vieram os festivais em que lecionei, Juiz de Fora, Brasília, Curitiba, Tatuí, entre tantos outros, conhecendo gente de todo o mundo, ensinando e aprendendo. Na Emesp ensino já há 10 anos os instrumentos antigos de cordas dedilhadas, o Baixo Contínuo e a Música de Câmara. Gosto muito de dar aula, é quando mais aprendo, hoje em dia…

Veio a curiosidade pela música popular e suas harmonias, vieram os violões folk, as guitarras elétricas e outros violões. Veio o maestro Beto Ianicelli, que abriu uma janela para  novas e lindas paisagens.

Sempre gostei muito de gravar, em estúdio ou em locações. Participei de mais de uma dezena de gravações, entre cd’s de modinha, música colonial brasileira e choro. Depois, os cd’s do Novo Ovo Novo, grupo que criei com amigos há mais de dez anos para experimentar misturas da música antiga com a música popular de todo o mundo, que hoje habita meu imaginário sonoro mais do que eu poderia jamais imaginar. O grupo não existe mais, mas o terceiro cd já está gravado e, quem sabe, um dia será lançado. Nele mostro minha faceta de compositor de canções, atividade a que adoro me dedicar, quando pede o coração.

Atuo também como arranjador e produtor, tendo já escrito arranjos para diversos cd’s e espetáculos, entre os quais, recentemente, para um projeto de sonho, o Ninárias, em que visitei as cantigas de ninar de todo o mundo.

Sigo tocando, flertando com o hinduísmo e tentando plantar alfaces e beterrabas no meu quintal. Gosto de ler tudo o que encontro, e recentemente me desfiz na beleza sem fim do Grande Sertão: Veredas, livro que muda a vida da gente.

Do Brasil e do mundo conheci bastante. A música me levou para França, Holanda, Espanha, Portugal, Finlândia, China, Equador, Argentina, Bolívia, Paraguai. Brasil de norte a sul, sempre levado pela música e deixando-me levar por ela.

Assim quero viver e morrer. Não sei fazer outra coisa, e se um dia eu renascer (cada qual com suas crenças…) peço só a papai do céu que me deixe voltar de novo como músico, trazendo de volta ao menos um pouquinho do que aprendi por aqui desta vez.

 

Liberdade e amor, mais não ouso querer.

Namaste!

Guilherme de Camargo é doutor em musicologia pela Universidade de São Paulo e graduado com os títulos de mestre em musicologia e bacharel em violão erudito pela mesma instituição. Vem se destacando como um dos mais importantes instrumentistas de cordas dedilhadas antigas do Brasil, levando às salas de concerto de todo o Brasil e do exterior a música para alaúde, teorba, guitarra barroca, viola de arame e guitarra romântica.

Além de sua atividade como solista, é considerado o mais ativo instrumentista de cordas dedilhadas antigas em conjuntos ou orquestras no país, com trabalhos realizados junto à OSESP, ao Coro da OSESP, à Banda Sinfônica do Estado de São Paulo e ao Coral Paulistano, entre outros. Suas apresentações já o levaram às salas de concerto da China, França, Espanha, Portugal, Finlândia, Bolívia, Argentina, Paraguai e Equador, além de todo o Brasil.

Dono de uma discografia que inclui mais de uma dezena de títulos, dedica-se também ao ensino, em cursos regulares (junto ao Núcleo de Música Antiga da EMESP) e em oficinas e palestras por todo o Brasil.